Sapatinhos

Saí para comprar sapatos!

Tinha acabado de receber a mesada e a ansiedade de chegar às lojas era imensa. Queria comprar e economizar. Queria milagres. Queria pelo preço de um levar dois pares de sapatos.

Quando jovem, me preocupava com a quantidade. Queria ter um monte de sapatos para variar e impressionar o namorado.

O dinheiro era pouco e precisava comprar um preto e outro azul marinho e pensava ainda em encontrar uma bolsa.

Naquela época aconteciam  milagres com a mesada da mama. Foi quando encontrei em uma loja popular, (muito popular), “os sapatinhos de cristal”, quer dizer de sola de papelão.

Na verdade, não sabia que eram fabricados com esse material, mas tendo em vista o meu lado econômico, pedi para empacotar os dois.

Os programas juvenis ficavam sempre marcados para os sábados. Não eram permitidas saídas durante a semana.
 Tive insônia por dias até poder usar meu sapatinho novo...

Chegado o dia , caprichei na roupa. Uma calça topeka para substituir a Lee que custava cinco mesadas e uma blusa azul para combinar com meu super sapato novo.

Que delícia! Ele era tão lindo, novinho e ficava tão bem no meu pé. Dancei a noite toda com um cuidado exagerado para ninguém pisar nele, e consegui essa proeza com um esforço danado,dando delicadas cotoveladas nos que se aproximavam.

A noite foi esfriando e uma chuva forte caiu sobre a cidade.

Não fiquei preocupada porque tínhamos levado guarda chuva, mas não estava preparada para o que aconteceria logo depois.

Ao sairmos, encontramos poças de água por todos os lados, e era praticamente impossível não pisar nelas. Depois de alguns quarteirões, senti algo estranho. Meus pés estavam encharcados.
Parei e olhei embaixo do sapato. O papelão duro tinha ficado mole por causa da água e conforme eu pisava, ele ia se desfazendo em pequenos rolinhos, iguais ao da pele quando estamos perdendo o moreno da piscina e eram tantos rolinhos que podia ver a sola do meu pé.

O pior é que não podia falar nada, não queria que o garoto ao meu lado soubesse...

Mantendo o sorriso cheguei em casa e quando olhei o estrago fiquei chocada.O que restou do meu sapatinho de cristal ? Somente a parte de cima.
Tinha outro novinho, feito do mesmo material, mas não usei durante os tempos de chuva. Não queria correr o risco de ficar descalça na rua, portanto ,esperava calmamente  pelas noites  que prometiam lua e muitas estrelas. Foi quando criei um slogan para uso próprio:

"Comprar dois sapatos pelo preço de um
E molhar os pés e ficar sem nenhum."