sábado, 4 de junho de 2011

A velha,a moça e o livro



Fala mansa, voz fraca e meiga, o rosto enrugado pela idade avançada, mãos trêmulas, corpo magro e frágil. Assim era aquela senhorinha sentada na poltrona, conversando com sua neta, uma balzaquiana, que não desgrudava os olhos do folhoso e tentava ferozmente manter-se na leitura ao ser interrompida pela avó.
Enquanto aguardava ser atendida pelo médico plantonista na clinica para idosos, a senhora reclamava do atendimento impessoal e demorado que era dispensado aos pacientes.
-Os tempos mudaram! Na minha época, o doutor vinha em casa e nos chamava pelo nome. Trazia remédios, dava receitas e nos ensinava a viver melhor. Eles eram tão amistosos e amáveis que acabei casando com um...
Numa tarde de abril, quando as folhas caíam das pequenas árvores cobrindo todo o quintal, peguei o rastelo e me pus a recolher aquelas folhas secas, porque adorava o cheiro do mato que vinham delas. Foi a primeira vez que o vi chegar. Aqueles olhos azul escuro, com um grupo de anéis de cabelos pendentes na testa ,que variavam em tons de marrons.Segurava uma maleta preta com as duas mãos quando perguntou:
-Vim visitar o Sr. Giordano .Ele está?
Mamãe o acompanhou até o quarto onde papai descansava e ao subirem, comecei a criar minha história de amor com aquele rapaz recém formado, tímido e dono de um olhar misterioso.
Quando desceram, já estava total e absolutamente comprometida com ele.
Depois de tantas perseguições ao seu consultório; falsas chamadas de emergência; doces e mais doces levados em cestas improvisadas; visitas surpresas a casa dos pais dele, algo o tocou e o fez perceber as verdadeiras intenções que me levaram a agir assim. Começou a prestar atenção em mim.
O primeiro beijo arrancado: um desmaio forjado sob a laranjeira, quando desfalecida esperei ele se achegar, envolvi-o com meus braços e coloquei minha boca na frente dos lábios dele.
O piquenique: um encontro onde todos os convidados não foram; somente ele e eu. Desmarquei com todos.
O baile: não saí de perto dele, não dei nenhuma chance para alguém se aproximar.
O noivado: uma gravidez fingida às pressas, por causa de uma viagem dele, necessária para um estudo posterior.
Queria ele para mim. Não importava o que acontecesse, eu me casaria com ele, somente ele, eternamente com ele.
Nunca me atirou no rosto a mentira que foi dita, não demonstrou fúria nem desafeto. Sempre um gentleman,com aquele sorriso misterioso que me fascinou desde o princípio.Deixou-se levar por aquela menina travessa,ardilosa,louca de amor que era eu.
Foram tantos anos felizes que compartilhamos. Tantos bons momentos!
Um dia, sem dar nenhum aviso prévio, partiu em silêncio. Assim como viveu sua vida toda.
Que saudades eu sinto do meu Doutor!
Sua neta,ainda calada e concentrada no que fazia,jogou o livro ao lado, levantou abruptadamente bracejando e num tom irritante protestou:

-“Como velho é chato”.

14 comentários:

  1. Eva,

    Que conto maravilhoso, rico, ritmico....
    Li num folego só.
    Que riqueza de detalhes, me vi envolvido na historia cativante da conquista do marido da velha senhora.A balzaquiana, talvez solteirona, demontra o porque no ultimo paragrafo....

    bjo

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  2. Lufe.....amei seu comentário,não tinha pensado nessa possibilidade,mas pode mesmo ser isso rsrsrs...é muito bom recebermos comentários que nos trazem novas idéias.Vc leu e participou...obrigada,isso é muito gostoso....bom final de semana para vc.

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  3. A história é fascinante. Como bem disse a pessoa que me antecedeu no comentário, "me enxerguei dentro dela".

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  4. Eu adorei o comentário do Lufe, faço minhas as palavras dele, maravilhoso, ritmo, tudo de bom o seu texto, beijinhos, Eva, minha chará querida, um belo final de semana para vc.

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  5. Eva, a riqueza de detalhes em seus contos me impressiona. Talvez todos nós temos essa fase de achar que velho é chato, até entendermos o brilho que existe nessas histórias sobre uma pele enrrugada, marcada pelo tempo mas tão rica de vivências. Sempre muito bom passar aqui. Faz bem pra alma.

    Bjos.

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  6. oie, contei hj no meu blog como estava o cachorro, mas já t adianto, foi uma grande emoção fiquei muito feliz.Desconfio q ele foi pegou por alguem, estava tosado, mas acho q ele fugiu pois estava fidido e com infecção de ouvido, ontem ja mandei p pet e ja estamos cuidando do ouvido...
    qto ao seu texto amei, imaginei toda a historia, o cheiro.. muito bom...
    bjaum e uma otima semana

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  7. Deu tilte nos meus comentários, não conseguia passar nada por aqui....gente!!só queria agradecer a todos os comentários lindos,e dizer que eu sou muito grata por ter conhecido vcs por esse meio tão inusitado...obrigada Eva,Lufe,Marcela,Cris,Geisson,Elaine e lenita...

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  8. Ei, flor, esse conto infelizmente retrata bem a realidade. Quase ninguém tem paciência com os idosos.Q coisa triste! Bjokas.

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  9. Eva
    Caramba, li o texto de uma levada só e naõ preciso nem dizer que amei. Mas, estou com uma mistura de sentimentos louca:pena da idosa, pena do médico, raiva da neta, amor por todos... Acho que preciso reler a história! Mas que foi fantástica, essa foi. Bjkas com muito carinho!Amei seu blog!

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  10. Adoramos o seu blog e sempre estaremos por aqui conferindo as novidades.
    Glorinha e Rogerio Rinaldi
    Criadores do brinco Look do dia Look da noite
    http://sbrincos.blogspot.com
    bjs.

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  11. Infelizmente os mais velhos tendem ao esquecimento,os jovens perdem a paciência e esquecem do amor.Uma realidade cada vez mais forte na nossa sociedade.Obrigada Rosi,Rogerio,Ana e Lena. Um abraço a todos e a vc também Cris.....quando tiver outro blog,nos escreva....

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  12. Engraçado como, para ler seus textos, prefiro parar tudo o que estou fazendo e ler de uma vez. E não é que é sempre bom?! AMO esse teor romântico de outrora, e reconheço os problemas das novas gerações. Mas a vida tudo ensina, e uma hora quem não soube dar valor colhe os frutos que plantou. Belo texto, again!

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  13. Que lindo!!!!!!!!!! nunca sei se é real ou conto, nunca sei, acho que aí que tá a beleza dos teus textos Eva. Maravilhoso isso.. e acho que é real. É?

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