O buque da noiva

Seus sonhos estavam todos espalhados naquelas poucas mesas mal arrumadas, com um pequeno vaso ao centro entulhado de flores do campo, murchas e sem graça.

Os convidados chegando e sentando sem nenhuma cerimônia, pegando seus pratos sem a presença dos noivos e se servindo no balcão de quitutes.

O bolo pequeno colocado no centro de uma mesa com toalha transversal e pontas tortas, com poucos doces espalhados sem nenhum contexto e um pequeno arranjo de flores colhidas do quintal.

Tantos anos sonhando, esperando e planejando. Dera tudo errado.

O dinheiro escasso, o emprego perdido, a casa alagada e destruída pelas chuvas abundantes.

Como queria acordar e sentir que tudo não passava de um pesadelo, que teria ainda tempo para providenciar um casamento como imaginara: cheio de aparatos suntuosos com fitas laterais, velas e muitas flores, um bolo enorme de mármore rosa, com noivinhos no topo encenando uma faceta cômica, com padrinhos e madrinhas de chapéus e seu pai a levando ao altar.

Ela com seu vestido tímido, um véu escorrido até o ombro, não conseguiu impedir as lágrimas e disse que era de felicidade.

O almoço aconteceu rapidamente porque todos estavam famintos.
Os convidados levantaram e foram embora.

Deixaram para trás mesas sujas, desarrumadas, pedaços de bolo no chão e uma noiva com um buque de rosas nas mãos, porque não esperaram por ela jogar.

Voltou-se para sair da sala e parou bruscamente. Fez meia volta, ergueu seu vestido e seguiu até a área da cozinha onde trabalhavam várias moças lavando e secando pratos e panelas.Fixou uma a uma no rosto e parou diante de uma mocinha pequena, franzina que areava uma panela enorme.Fitou-a profundamente  e entregou-lhe o buque com todos os laços e perolas que lhe formavam.Esboçou um sorriso e lhe desejou felicidades.

Saiu dali como se tivesse passado adiante o peso do seu casamento.Ao menos fizera alguém feliz.

Desvencilhou-se da sua roupa de núpcias e com uma angustia que apertava seu coração,foi para aquela que seria sua casa.Dois cômodos no fundo do quintal da sogra.

Para aquela que recebeu as flores, uma nova vidraça se abriu: a de ter sido escolhida para um presente. Um presságio, uma profecia de que ele a amava e que em breve pediria sua mão?

Passou o resto da tarde areando as panelas com um ar de felicidade.