domingo, 20 de junho de 2010

minha bicicleta...Pangaré

Era o nome da minha bicicleta vermelha, de aro enorme que até parecia de circo. Breque no pedal, descascada, correia solta e sem dente.
Tinha tudo para ser considerada uma sucata, mas meu amor por ela era tão grande que a tratava como uma dama.
Amava andar de bicicleta, ainda não tinha a minha própria e os vizinhos já estavam cansados de me emprestar a deles, então precisava urgentemente arranjar uma.
Tinha um radinho de pilha, era pequeno e cabia no bolso. Considerado uma evolução tecnológica e moderna,captava todos os ruídos da região. O som era terrível, pior do que o som que sai do telefone comum.
O mágico disso tudo, era que tinha um amigo  louco por um objeto desse e ele tinha uma bicicleta vermelha quase que destruída.Mas foi amor a primeira vista.Ao vê-la, já me imaginei correndo pelas ruas,voando pelas alamedas,subindo os morros ,indo e vindo por todo meu bairro.
Já me sentia livre e feliz.
Fizemos a troca rapidamente. Ele com medo que eu desistisse e a mocinha aqui temendo que ele pensasse melhor e decidisse  ficar com a  sucata vermelha.
Dia seguinte cedinho, nem consegui dormir, peguei o pangaré (nome originalmente dado a rodante) e sai para um passeio.
Meus sonhos tiveram um repentino corte brutal. Na saída, ao pedalar, pisei em falso porque faltavam alguns dentes na corrente e  caí de boca no chão... Um pouquinho de sangue para firmar nossa irmandade. Tombei a minha amiga querida e puxa daqui puxa dali, consegui colocar a corrente no lugar.
Agora estávamos prontas. Ela era um pouco carente, precisava de atenção.
A rua era de fácil acesso porque possuía uma leve descida e nada poderia dar errado.
Subi no pangaré agora chamada de banguela e puxei com força os pedais. Desci maravilhosamente com o vento soprando meu rosto, dando a sensação de liberdade do ir e vir que tanto procurava.
No final da rua, era necessário pedalar por se tratar de uma subida suave .O impulso natural tinha terminado. O pedal novamente foi em falso. Faltava mais do que um dente e sempre que a força da pedalada tocava esse local, a corrente caía. Foi o que aconteceu!
De volta ao chão, com o joelho arrebentado e a cara machucada.
Dei uma bronca nela e disse para  isso não se repetir.
Muitos tombos depois,fui  aprendendo a manha de andar nela,sabendo quando e como pedalar e quando deixar ela solta .Aprendi a movimentar para frente e para trás os pedais, afim de mudar o dente da corrente.
Tornamos-nos grandes companheiras.
O pessoal não entendia muito o meu estilo único de usar minha banguela com os pneus altos e magros. Eu achava elegante.
Tentei melhorá-la de diversas formas, mas o resultado não era aparente,más nós sabíamos das mudanças e brindávamos.
Meu mascote era uma pequenez  idoso e adorava andar pelas ruas comigo.Decidi que ele também iria participar de nossa aventura.
Amarrei o carrinho de feira que minha mãe tinha na parte de trás da bicicleta,(desculpe)banguela e coloquei ele dentro do carrinho de forma que ao ficar em pé,pudesse alcançar a abertura e assim participar da viagem passeio.
Nós três formávamos uma equipe. Nos divertiamos muito. Passeavamos todas as tardes quando voltava da escola. Era só tocar na banguela que o meu mascote salivava de alegria e se mostrava pronto para ir.
Um dia ,meu pai, insatisfeito com a aparência dela, propôs um conserto mais profundo.
Ele a levaria para a fábrica onde trabalhava e lá trocaria a corrente , engraxaria os pneus e arrumaria o aro  meio torto.
Seria difícil ficar sem minha amiga vermelha desbotada, más era para o seu próprio bem, valeria o sacrifício. Despedi-me dela com um olhar duvidoso e deixei-a partir na carroça do caminhão.
Foi o última vez que a vi.
Os dias passaram e meu pai sempre prometendo que a traria de volta assim que estivesse pronta.
Um dia disse que a tinha dado para um operário pobre que precisava dela.
Fiquei sem comer, chorei muito. Na minha concepção, ela era minha amiga e sentia a separação (desde criança já era meio doida)
Para consertar o que era irremediável,após alguns dias,meu pai  trouxe uma belineta mostarda,com bagageiro,malinha de ferramentas,espelho dos dois lados,pneus grossos,breque e correntes perfeitos.Era novinha e tinha o cheiro de presente de natal.
Não dormi de alegria e ela ficou ao  lado da cama, para que pudesse fitá-la durante a noite.
Apreciei muito minha nova companheira, que deslizava pelas ruas silenciosamente, mas a graça da aventura e desventuras, dos tropeços que a outra tinha me dado, essa não possuía.
É uma lembrança deliciosa. Penso nela como algo com vida e acho que nunca vou esquecer do meu brinquedo favorito.Provavelmente ela se tranformou em algum parafuso ou broca.
boa noite banguela.

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